POBREZA ACELERA REVOLTA SOCIAL DAS ZUNGUEIRAS

O representante dos vendedores ambulantes angolanos alertou hoje para os riscos de revolta social devido à pobreza e exclusão que afecta esta classe, que representa o ganha-pão de grande parte das famílias angolanas. Será que a culpa também é da UNITA?

Em Luanda estão por todo o lado e vendem um pouco de tudo, desde frutas a saquinhos de amendoim, garrafas de água, marmitas com refeições, carregadores para telemóveis, acessórios para automóveis, roupa, mapas de Angola, uma infinidade de bens que carregam todo o dia, calcorreando quilómetros em busca de clientes, em busca de algo que ajude os filhos a enganar a fome.

Na zunga participam sobretudo mulheres que tentam sustentar a família, com rendimentos que, por vezes, chegam apenas a 500 kwanzas por dia (1,2 euros), indigna-se José António Kassoma, presidente da associação que representa 36 mil vendedores ambulantes e feirantes em sete províncias angolanas.

Em Angola, quase 80% dos trabalhadores têm um emprego informal, percentagem que aumenta para 88% entre as mulheres, enquanto a taxa de desemprego ronda os 30%, e toca nos 57% entre os mais jovens (15 e 24 anos), segundo os dados divulgados em agosto pelo Instituto Nacional de Estatística angolano que, contudo, se “esquece” de falar dos 20 milhões de pobres.

José António Kassoma alerta que a situação é crítica e pede soluções ao executivo, lamentando que os sucessivos pedidos de audiência com o Presidente, João Lourenço, não tenham tido resposta.

“Nós somos uma classe com muita gente, representamos a maior da população e a mais vulnerável e esta camada mais pobre está a ficar exaltada porque as políticas não os incluem”, lamenta.

O responsável diz que a pobreza e a exclusão social se têm agravado entre as famílias que dependem de zungueiras, muitas das quais sem sítio para deixar as crianças.

“As crianças ficam sozinhas e todo o dia sem comer. Comem à noite quando trazem alguns kwanzas e se o fiscal não ficou o negócio, começaram agora as aulas e temos 4.000 que ficaram fora do ensino por que não conseguiram lugar nas escolas públicas”, denunciou.

Excluídas das políticas sociais, as zungueiras estão dispostas a apoiar as manifestações contra o executivo angolano “porque não vêem solução para os seus problemas por parte dos que estão a governar”, avisa.

“Estamos a enviar este pedido de socorro, com muita urgência, porque em Angola poderá haver uma guerra que não será de armas, será social”, acrescentou Kassoma.

“Muitos chegam até nós de lágrimas nos olhos, é uma frustração total”, desabafa o dirigente associativo, afirmando que tem havido, desde 2016, tentativa de diálogo com o executivo para tentar atenuar “este drama social”, mas sem resultados práticos.

Segundo o responsável, foram apresentadas propostas para desenvolver projectos de agricultura familiar nas províncias – de onde são originários muitos dos que tentam sobreviver em Luanda – mas que não obtiveram apoio ou fracassaram porque “o ministério só queria debater aspectos técnicos”.

“Os jovens que estão a zungar podiam estar na agricultura, a produzir alimentos que possam ajudar a reduzir os preços da cesta básica, mas na hora de implementar os tais programas as coisas não funcionam”, sublinhou.

Não poupou também críticas ao programa PREI (Programa de Reconversão da Economia Informal, lançado em Novembro de 2021), que “beneficia sempre os mesmos, os que já tem financiamento”.

José António Kassoma queixou-se de que os programas são mal geridos pelos administradores municipais que, “na hora de escolher os beneficiários vão buscar o primo, o sobrinho, o do partido” e o dinheiro “nunca chega aos que são mais vulneráveis”.

“Os pobrezinhos, os zungueiros, as mamãs que andam nos mercados com negócio de 2.000 não recebem financiamento nenhum. O PREI dá dinheiro aos empresários que já têm capital”, aponta.

O PREI formalizou até ao dia 8 de Agosto, data dos últimos dados disponíveis, 246.189 operadores, dos quais alguns beneficiam de créditos para reforço dos negócios.

Kassoma afirma, no entanto, que os vendedores têm dependido essencialmente de si próprios, juntando contribuições que depois são entregues rotativamente, a cada um dos participantes (um sistema conhecido como ‘kixikila’) e lamenta que “o partido do poder negue sentar-se com a associação”.

Por isso, os vendedores ambulantes planeiam reunir-se em breve no mercado do Catinton (Luanda) para apelar à solidariedade internacional, “para que o mundo olhe para Angola e veja este sofrimento”.

O objectivo é ouvir as preocupações da classe e pressionar o executivo para que se pronuncie e crie, em conjunto com a associação, políticas para resolver os problemas da pobreza e da exclusão social.

A história, e as mortes, repetem-se

Estávamos em Novembro de 2017. A Associação dos Vendedores Ambulantes de Luanda (AVAL), que reunia na altura quase 4.000 zungueiras, alertava que a actividade, que estava a ser travada pelo governo provincial, era (e continua a ser) o único sustento de milhares de famílias, que necessitam de “soluções de emprego”.

“A nossa associação não concorda que se possa acabar com a venda ambulante porque o país não tem emprego e o que cria a venda ambulante é o problema do desemprego no país”, começou por explicar, em entrevista à Lusa, o presidente da AVAL, José António Kassoma.

Aquele dirigente reagia na altura à polémica instalada na capital angolana, depois da orientação do então novo governador provincial de Luanda, Adriano Mendes de Carvalho, para “o fim urgente da venda ambulante nas ruas, avenidas e zonas pedonais da capital angolana”.

“Queremos e defendemos a organização da venda ambulante, porque nesta altura achamos que os vendedores ambulantes deveriam contribuir também para os cofres do Estado, uma vez que o país se encontra numa situação económica difícil”, afirmou por seu turno o presidente da AVAL.

Uma organização que, refere, pode “passar por atribuição de cartões de ambulante” ao nível dos municípios de Luanda, “no sentido de o Estado daí poder obter recursos para o Orçamento Geral do Estado”, de resto, recorda, “como já se fazia anteriormente”.

“Se houvesse uma boa organização e fiscalização poderia funcionar, porque temos países lá fora em que a venda ambulante existe. Agora num país com sérios problemas sociais e económicos, sem emprego para juventude, apenas encontram sustento aí para as suas famílias”, explicou.

Recorde-se que Adriano Mendes de Carvalho ordenra, no final de Outubro de 2017, o fim desta actividade, classificando como “inadmissível” a situação que se vem registando nos últimos dias, “sob olhar impávido dos administradores”.

A medida foi encarada com bastante preocupação no seio das vendedoras ambulantes de Luanda, por ser o único sustento que têm.

Depois desta orientação, as equipas de fiscalização, segundo os relatos da altura, passaram actuar em força nos arredores da capital, nomeadamente com a apreensão do “negócio” que por norma estas mulheres, mas também muitos homens mais novos, carregam pelas ruas de Luanda, a vender.

Para José António Kassoma, terminar com esta venda ambulante na capital angolana “deve acontecer apenas com apresentação de soluções de emprego” por parte do governo da província, por se tratar de uma forma de “sobrevivência” e que “apenas lutam para sustentar as famílias”.

“Constroem-se os mercados sem antes consultar os vendedores e ainda há um hábito de as pessoas comprarem em locais mais próximos, porque nos mercados distantes o vendedor vai e há clientes”, apontou.

Questionado sobre as motivações dos vendedores que optam por fazer o negócio em passeios e pedonais, conforme referiu igualmente o governador da capital, o presidente da AVAL assumiu discordar dessas práticas.

“Não concordo com as vendas nos passeios e pedonais, mas concordo que haja lugares indicados pelas autoridades. Daí que falamos em organização, sobretudo a nível dos municípios, porque daí pode haver orientações das vendas serem intermunicipais, em função do cadastro de cartões”, explicou.

A venda ambulante há muito que é condenada pelas autoridades, por nomeadamente condicionar o trânsito, contudo tem sido agravada pela crise económica e financeira que Angola vive, como última forma de sustento para milhares de famílias.

Segundo o então ministro do Comércio, Joffre Van-Dúnem Júnior, o regulamento sobre o comércio ambulante aprovado pelo Governo iria formalizar o comércio.

“Foi já aprovado pelo Conselho de Ministros o Regulamento do Comércio Ambulante. Estão já catalogados e identificados os locais para se poder exercer a actividade, depois de uma análise com as autoridades provinciais”, afirmou.

Joffre Van-Dúnem Júnior admitiu que um dos objectivos da medida é apoiar as condições para “trazer o mercado informal para o formal”.

O Regulamento, adiantou o governante, também especifica quais os produtos que não são passíveis de serem comercializados no comércio ambulante, como combustíveis e medicamentos, entre outros.

“Podemos ficar sossegados que, até ao final do ano, seguramente, os vendedores ambulantes serão identificados, terão o seu cartão e locais onde poderão exercer a sua actividade”, concluiu.

A forte presença de mulheres na economia informal de Angola, consequência da luta pela sobrevivência e não apenas, como foi e é a versão do regime, pelo seu baixo nível de escolaridade, é um dos principais desafios a ultrapassar para a integração feminina no sector produtivo.

Recordam-se do assassinato de uma jovem zungueira, no dia 27 de Dezembro de 2016, no município de Viana, cujo crime, se de tal podemos falar, era o de ganhar a vida com dignidade, coisa que os corruptos governativos desconhecem e que nunca fez parte do seu ADN, vendendo produtos, como garantia não só de um prato de pirão em casa, como a de não engrossar o exército de prostituição?

Não pensou assim, o agente policial que a perseguiu, numa tresloucada correria, não para regular a sua actividade comercial ambulante, mas para a ROUBAR.

Os amantes das liberdades e da democracia (continuamos a presumir que existam), bem como os intelectuais “bons” não devem continuar em silêncio, enquanto os maus aprimoram os roubos diários, os desalojamentos, os espancamentos e os assassinatos, de zungueiras, vendedores e outros trabalhadores liberais.

Devemos gritar, GRITAR, pois estes autóctones só andam na zunga, pela falta de empregos e resistirem à entrada nos exércitos da delinquência e da prostituição. Só por isso merecem a nossa indefectível solidariedade, para nos levar a inundar as ruas, as avenidas, as sanzalas, as bualas, as aldeias, os municípios e as províncias, com gritos de indignação e revolta, pois “quem não vive para servir, não serve para viver”.

Folha 8 com Lusa

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